Por Geane Poteriko
Quando se espera um bebê, a expectativa em receber uma criança “perfeitinha” fisicamente predomina no sentimento de todas as mães. Até que os exames de ultrassom confirmem a existência de cada dedinho e cada parte do corpo, todos os membros e um bebê completamente saudável, nenhuma mãe se sente confortável o suficiente. A afirmação do médico: “Parabéns, mamãe, você tem uma criança perfeita” é o que toda gestante quer e espera ouvir.
Por isso, receber no parto a notícia de que sua criança nasceu com a ausência de alguma parte do corpo é um grande susto. Foi assim que me senti: assustada e sem compreender o que poderia ter acontecido. Minha filha Dara, hoje com 3 anos, nasceu com uma malformação na mão direita que causou o não desenvolvimento dos dedinhos. Dara nasceu com agenesia de mão causada pela Síndrome da Brida Amniótica. A agenesia foi descoberta apenas após o parto, apesar de todo o acompanhamento ter sido feito durante o pré natal, inclusive a realização do exame morfológico (capaz de diagnosticar este tipo de síndrome ainda na gestação).
Assim, quando Dara nasceu, no dia 12/12/2013, em Ivaiporã, PR, além do susto causado pela malformação na mão direita, a falta de explicações e orientação pela equipe médica sobre o que havia acontecido foram fatores agravantes para mim. Senti-me sozinha e desamparada. Era difícil entender por que isto havia acontecido, se durante a gravidez tudo ocorreu bem, eu havia seguido as recomendações médicas e tomado todos os cuidados necessários – não tinha ingerido remédios, drogas muito menos bebidas alcóolicas. O que houve de errado?
Algum tempo depois, descobri que eu não estava sozinha – assim como minha filha, milhares de crianças nascem com agenesia de membros em todo o mundo. Inicialmente, os momentos de angústia ganham espaço: são muitas dúvidas, incertezas e questionamentos. Depois, todo o aprendizado e amor que essa experiência traz para a vida completa o que antes não era possível entender.
Para ter um diagnóstico, passei por vários médicos e consultas, até que uma pediatra, em Curitiba, 4 meses após o parto, fez uma análise do histórico da minha gestação e explicou o que poderia ter acontecido: a Síndrome da Brida Amniótica – uma rara condição congênita ocasionada pelo aprisionamento de partes do feto por anéis fibrosos do saco amniótico no útero – foi o que causou a agenesia em Dara.
Estima-se que esta síndrome afeta aproximadamente 1 a cada 1200 nascimentos (outras fontes relatam 1 por 1.500) e não possui características genéticas ou hereditárias. Trata-se de um “trauma intrauterino”, ou seja, um “acidente” ocorrido durante a gestação cujas causas ainda são desconhecidas e estão sendo pesquisadas. Para melhor entender a síndrome, pode-se defini-la em palavras mais simples: a brida amniótica é uma fibra interna da bolsa da placenta que gruda no bebê, impedindo que o órgão que foi grudado se desenvolva.
Após este diagnóstico, eu soube finalmente que não tive culpa pelo ocorrido durante a gravidez e entendi como se deu a agenesia de mão em minha filha. Sem o sentimento de culpa, tudo começou a fluir naturalmente e as experiências da maternidade ganharam muito mais significado para mim.
Com as explicações recebidas pela médica e após fazer inúmeras pesquisas, criei uma página na internet contando minha história, a experiência com a falta de um diagnóstico na gestação e incluí informações sobre agenesia, o que causa esta condição congênita, o que é a Síndrome da Brida Amniótica e algumas reflexões sobre o que vivenciei após o nascimento da minha filha. A partir desta página, mães de todo o Brasil começaram a entrar em contato e enviar e-mails compartilhando também suas histórias, destacando o quanto se sentiam isoladas pela falta de informação, orientação e também por não conhecerem casos semelhantes aos seus. Assim surgiu a ideia de criar uma rede de apoio para estas famílias, por meio de uma Associação. Nasceu então a ASSOCIAÇÃO DAR A MÃO, idealizada após o nascimento de minha Filha Dara e formalmente fundada em em assembleia no dia 30/09/2015 em São João do Ivaí, norte do Paraná.
A denominação da Associação faz simultaneamente referência ao nome de Dara e ao verbo “dar”, remetendo à ação de “dar a mão”, oferecer ajuda e solidariedade para crianças que nasceram com condições físicas semelhantes. (Ver mais no Filme Institucional: https://youtu.be/JYY8bqFrseY)
DARA – MINHA JÓIA RARA
Foi uma grande surpresa minha filha Dara nascer com agenesia na mão direita, não diagnosticada na gestação. Na época, o pediatra que acompanhou o parto explicou que esta condição, na verdade, é apenas de caráter estético, já que Dara não nasceu com nenhuma condição neurológica ou de coordenação motora. Ela veio ao mundo como minha “joia rara”, muito mais que especial, MINHA DARA.
Sempre que converso a respeito da malformação de minha filha, destaco que, para mim, a ausência de um membro em Dara não é razão para eu me sentir menos privilegiada, ou muito menos para ter “vergonha”. Ao contrário, tenho diariamente um imenso orgulho de cada conquista e adaptação (ou superação) de minha filha e a vejo como uma JÓIA RARA, uma preciosidade que só me traz alegrias.
Entendo cada vez mais que duas palavras são fundamentais no dia a dia de uma mãe de criança com algum tipo de diferença física: ACEITAÇÃO e ADAPTAÇÃO. Primeiro, a ACEITAÇÃO de que uma “deficiência física” é algo que não podemos escolher ou controlar, mas podemos, contudo, amar, cuidar, orientar e ensinar.
O que é um membro? É algo que tem sua funcionalidade, de fato, mas em um contexto no qual a estética e a aparência são predominantes, é preciso reavaliar conceitos e paradigmas. Uma criança com ausência de membro é tão capaz quanto qualquer outra criança, faz tudo o que quer e precisa, sem limitações, aprendendo e adaptando-se conforme suas necessidades.
É preciso combater o discurso de “Coitadinho” (evitar o “CAPACITISMO”) e destacar a as habilidades naturais e a capacidade que todo indivíduo possui, independente de sua condição física.
Quando saio para passear com Dara, as pessoas olham, às vezes perguntam, mas muitas vezes não dizem nada, embora percebo que queiram dizer. Ao mesmo tempo, vejo também que a sociedade está aos poucos aprendendo a conviver com a naturalidade das diferenças. Muito se tem avançado sobre isso, então enquanto “mãe”, destaco a palavra acima mencionada: a minha ACEITAÇÃO. Eu preciso aceitar esta condição física de minha filha para saber defendê-la, quando necessário, de qualquer tipo de diferenciação ou discriminação.
E, ainda, para poder ter condições de oferecer o que tenho de melhor: o maior amor, os melhores recursos, amplas possibilidades e os mais valorosos ensinamentos para auxiliá-la em no desenvolvimento de suas habilidades e capacidades naturais.
A outra palavra – para a mãe de uma criança com deficiência: ADAPTAÇÃO. Primeiramente, considerando a posição de uma mãe que não esperava esta condição em sua bebê. Mas, acima de tudo, como uma mãe que deseja preparar sua filha para não ter vergonha de sua diferença. Aliás, para que essa filha não se sinta diferente, mas sim especialmente uma pessoa como todas as outras – mas com características de forma maravilhosa e linda, de forma única (por isso a analogia à expressão JOIA RARA).
– PERCEPÇÕES: Conforme Dara vem crescendo, tenho sentimentos gratificantes: a alegria de ter uma criança que aprende dia a dia, que segura a mamadeira com a mão e o “toquinho” da outra mão com agenesia, que pega seus brinquedos e se diverte sem limitações, que hoje sabe andar e correr, mas antes disso se esforçava para engatinhar, perdia o equilíbrio, em seguida continuava, sempre sorrindo, e de repente saía engatinhando pela casa toda! Uma criança que bate palminhas alegremente e adora olhar as duas mãos, uma diferente da outra, cada uma com suas características. Assim é a Dara. A cada sorriso e conquista dela, sinto-me renovada.
Dara percebeu ainda bebê a sua diferença mas não compreendia a razão. Aos 3 anos, dizia: “Mamãe, eu tenho uma mão grande e outra mão pequenininha”, e sabia que isso é não é motivo de tristeza. Ela nasceu assim, e sabe que possui suas características peculiares.
Como MÃE, precisamos aprender a aceitar a expressão: SOU MÃE DE UMA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA. Sou mãe de uma criança com Agenesia de Membros, o que não é fator de limitação nem deve ser motivo de exclusão social.
Minha filha Dara adora cantar a música: “Normal é ser diferente” (Grandes Pequeninos), principalmente o trecho que diz: “Você não é igual a mim, eu não sou igual a você, mas nada disso importa pois a gente se gosta e é sempre assim que deve ser”.
Sua diferença é encarada com naturalidade e amor. Dara vê que a mão direita não é igual à esquerda… e quer saber? Ela brinca com isso, olha e sorri, e certamente vai crescer sabendo que é muito amada e que sua agenesia não lhe fará inferior ou diferente de ninguém.
Na internet, sempre vejo histórias diferentes, acompanho nas redes sociais exemplos de crianças semelhantes à Dara, adolescentes que são felizes e vivem como todos os outros. Adultos bem sucedidos: modelos, atletas, músicos, escritores, enfim, pessoas realmente bem-sucedidas em todos os aspectos. Por isso sei que o futuro será um grande presente para minha filha.
Uma frase resume muito bem o que eu gostaria de dizer:
“A agenesia está no seu filho, mas ela não é a identidade dele“. (Alessanra Rigazzo)
Por fim, classifico a agenesia como “uma diferença que se vê, mas simplesmente não faz diferença”.
Quando eu deixei de olhar tão ansiosamente
para o que me faltava e passei a olhar com gentileza
para o que eu tinha, descobri que, de verdade,
há mais a agradecer do que pedir
(Ana Jácomo )
ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS COM AGENESIA DE MEMBROS
Uma criança que nasce com ausência de um membro, seja esta de dedos, mãos ou braço, naturalmente consegue aprender a realizar tudo o que precisa, cada atividade cotidiana à sua própria maneira. É um instinto natural, diferente por exemplo de uma criança ou adulto que perde um membro por amputação ou acidente.
No entanto, para que a criança desenvolva suas habilidades e supere as possíveis limitações que venha a ter pela ausência de determinado membro, é fundamental que esta criança seja orientada e faça o devido acompanhamento, tanto em casa, pelo estímulo e incentivo dos pais e familiares, como também por meio de fisioterapia ou terapia ocupacional, sob orientação de profissionais da área da saúde.
Acreditar que a criança vai simplesmente crescer aprendendo a fazer todas as atividades é um erro que a maioria dos pais comete pela própria falta de orientação. Se a criança não for devidamente instruída desde muito pequena, o membro com agenesia será utilizado apenas como “apoio”, perdendo a sua funcionalidade e até mesmo podendo atrofiar pelo pouco uso.
Assim, com o atendimento adequado, acredito que minha filha Dara certamente levará uma vida normal, sem limitações, conseguindo fazer tudo o que as crianças de sua idade podem fazer. A ausência da mão direita é, para Dara, apenas um detalhe físico que não faz diferença, afinal, ela nasceu assim, com esta característica. Portanto, com o atendimento adequado, Dara vai crescer sabendo que é totalmente capaz.
Dara recebeu aos 3 anos um dispositivo protético feito em impressora 3D. Assim, minha filha Dara começou a treinar desde cedo com este recurso, podendo estimular gradativamente sua musculatura do braço pelo exercício contínuo.
Sou favorável à protetização das crianças e acredito que os benefícios são maiores do que as dúvidas e questionamentos recorrentes.
compilado de fotos da e-nable, parceira da Associação Dar a Mão
Dara é criança mais nova do Brasil a utilizar um dispositivo protético feito na impressora 3D: com exatamente 3 aninhos de idade. Pela ASSOCIAÇÃO DAR A MÃO proporcionamos acompanhamento de equipe multidisciplinar, incluindo treinamento em fisioterapia de forma lúdica, pela brincadeira e motivação.
Seguimos com ótimos resultados neste acompanhamento, a fim de mostrar como os dispositivos 3D podem auxiliar no desenvolvimento da criança.
Vídeo em homenagem à Dara: