Tava assistindo a um documentário que abordava, entre outras questões, o racismo, a homofobia e o machismo. Pautas super importantes e infelizmente atemporais – bandeiras que estão bradando há décadas e ainda continuam sendo levantadas porque ainda há tantos avanços a serem conquistados. Assim como no nosso caso, das pessoas com deficiência. Daí fiquei pensando: por que será que as diferenças – ou pelo menos algumas delas – segregam tanto? O que esperar de uma sociedade que prega que você precisa se destacar na multidão pra conseguir sucesso e ao mesmo tempo define padrões aos quais você precisa se submeter para ser aceito? Quer dizer então que tem o diferente bom e o diferente ruim? Sim, meu caros. E aqui quem fala é alguém que faz parte do time dos diferentes “ruins”. E pra entender o estímulo ao “seja diferente”, ele é simples: você pode se destacar, desde que não se destaque mais do que eu. Você pode ser diferente, desde que seja no limite do padrão do grupo. Ponto. Fora disso não serve. É feio, inútil, ou está querendo ocupar o meu lugar. E qualquer um desses incomoda.
Ninguém quer ter que lidar com uma pessoa com “limitações” incrivelmente ocupando o mesmo lugar de uma pessoa “normal”, ou ter que reconhecer beleza em um corpo que “falta um pedaço”. Isso significaria ampliar a caixa. Ou melhor, rasgar a caixa. Trazer todos pro mesmo coletivo, com suas imperfeições. E instantaneamente reconhecer as próprias imperfeições. E isso dói, né? Melhor apontar as imperfeições dos outros daqui do alto da minha coletividade restrita aos membros exclusivos do clube-dos-que-se-encaixam-nos-padrões.
Honestamente, não sei qual trabalho é mais exaustivo. Nasci com uma deficiência, então nunca me dei ao trabalho de fazer esforço para me encaixar nos padrões – afinal, nada que eu fizesse me colocaria nesse grupo. E sim, é exaustivo ter que lutar por respeito. Por tratamento justo, equânime. Ter que se lembrar sempre que você tá fora da curva pelo simples fato de ser imperfeito como todo ser humano, porem sua imperfeição mais determinante ser estampada no seu corpo e ser julgada todo o tempo. Ter que provar competência, questionar afetos e inseguranças. Tem horas que eu queria só não ter que falar. Só viver. Mas meu corpo imperfeito me coloca na posição de gritar, e por mais cansativo que seja, eu tô aqui gritando. E quando eu penso no enorme esforço que as pessoas que querem fazer parte do tal “clube” precisam fazer pra serem aceitas, aí é que eu grito mais. Porque por mais que às vezes elas não ouçam ou não entendam, eu não grito PRA elas, eu grito POR elas. Ninguém deveria precisar deixar de ser o que é, seja fisicamente, seja intelectualmente, seja emocionalmente, pra fazer parte de algo. Ninguém deveria se esforçar pra mudar sem que essa mudança venha de um desejo legítimo. E ninguém precisaria sofrer se a gente falasse mais sobre isso, entendesse mais as pessoas, acolhesse mais suas imperfeições.
E é aí que tá: hoje, aos 37 anos, não sei se é a falta da minha mão que incomoda, ou se é o meu grito. Mas de uma coisa eu sei: minha mão não vai crescer, e eu não vou me calar.
Quanta lucidez e reflexão neste texto.parabens por ser quem é e nos inspirar nessa caminhada .
Obrigada Ana Lúcia! Seguimos juntas nesse caminho de reflexão e construção de um entendimento que torne o mundo mais inclusivo e a caminhada mais alegre!
Sempre trazendo essa voz de força e sensibilidade. Texto riquíssimo e reflexão necessária
Obrigada pelo carinho e sensibilidade Joanna!
Texto maravilhoso Fê…adoreii…me enquadrei bem nele. Maravilhosa 👏👏👏👏👏
Obrigada Josy!!!! Somos maravilhosas né? Bjo!